sábado, 30 de setembro de 2017

Tárcio esbanja sofisticação e personalidade em CD-tributo ao amigo Emílio Santiago

Sempre transitando no campo da MPB jazzística, criativa e de qualidade, o cantor carioca TÁRCIO, um dos mais sofisticados de sua geração, volta ao disco, o quarto de sua carreira, desta vez prestando um tributo não apenas a um dos maiores cantores que o Brasil já teve, mas também a um dos seus melhores amigos. BRASILEIRÍSSIMO – PARA EMÍLIO SANTIAGO, lançado este mês nas plataformas digitais, revive um repertório nativo e vigoroso imortalizado pelo grande cantor. O título é ainda uma referência ao segundo álbum do amigo, “Brasileiríssimas”. “EMÍLIO merece a homenagem. Era um amigo querido, tivemos uma relação muito próxima, principalmente em seus últimos 10 anos de vida. Mas essa relação vem de família. Ele era amigo de meu pai, TARCI, que é compositor. Nos anos 60, cursaram a Faculdade Federal de Direito juntos no Rio e foi pelas mãos dele que EMÍLIO entrou em estúdio pela primeira vez, para gravar uma demo”, explica o cantor, lembrando que ele, além de guru musical, virou seu grande conselheiro.
Apesar de ter caído no gosto do público com um tipo de sonoridade e repertório mais populares, EMÍLIO gostava mesmo de grandes canções e arranjos sofisticados. Isto era inclusive uma das maiores afinidades entre ele e TÁRCIO. Para que o disco ficasse então à altura do gosto musical da dupla, o jovem cantor não fez por menos. Dirigido pelo tarimbado produtor MAX VIANA, reuniu um timaço de arranjadores para jam session nenhuma botar defeito: CRISTÓVÃO BASTOS, GILSON PERANZETTA, JOÃO DONATO, JORJÃO BARRETO e ROBERTO MENESCAL. Foi, aliás, este último quem descobriu TÁRCIO, ainda quando era assistente de seu estúdio na Barra da Tijuca, nos anos 90.
Desta vez, o mesmo MENESCAL sugeriu a TÁRCIO a gravação de um tributo ao famoso projeto “Aquarela brasileira”, criado por ele para EMÍLIO em 1988, que levou à consagração definitiva do cantor. Seria uma comemoração dos 25 anos das “Aquarelas”. Já estava tudo acertado e diversas bases gravadas e o homenageado vibrando com tudo quando se deu o seu falecimento em março de 2013. “Depois que ele morreu, fiquei arrasado e desisti do disco. Não queria nem ouvir o que estava gravado, me dava tristeza. Somente dois anos depois foi que retomei. Então resolvi reformular o projeto. Passou a ser um disco que representasse o repertório que ele mais gostava e o que mais tinha afinidade com o nosso gosto”, afirma.
Ainda que cinco das dez faixas sejam medleys, como acontecia com frequência no projeto “Aquarelas”, o CD acabou tomando outro rumo, não apenas no repertório, mas no acabamento instrumental, bem mais requintado que a série original.
TÁRCIO conta, por exemplo, que EMÍLIO tinha orgulho de dois CDs-tributos que realizou já na última fase de sua carreira: “Bossa nova” (2000), que lhe rendeu até um Grammy Latino, e “Um sorriso nos lábios” (2001), com canções de Gonzaguinha. Do primeiro, ficou com o samba-jazz “Canto de Ossanha”, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, com direito a um “Ponto de Ossanha” de introdução e participação dos filhos de Baden (MARCEL POWELL) e João de Aquino (GABRIEL DE AQUINO), dois virtuoses do violão, e do legendário percussionista ROBERTINHO SILVA. Aliás, não faltam grandes músicos neste álbum (ver ficha técnica em anexo). E do segundo escolheu uma que o amigo adorava, a feminista “Ser, fazer, acontecer”, e a juntou num medley com outra que ele próprio tem grande predileção, “Ponto de interrogação”.
De outro ídolo da dupla, Johnny Alf, que certa vez se encantou por uma regravação de TÁRCIO da canção “Escuta” fazendo questão de lhe telefonar somente para elogiá-lo, repescou as românticas “Eu e a brisa” e “O que é amar”. Boleros – que também foram muito gravados por EMÍLIO ao longo da carreira, e tema de um álbum inteiro, “Dias de luna” (1996) – também não podiam faltar. E as escolhidas foram “Dilema” e “Dois pra lá, dois pra cá” (ambas de Aldir Blanc, a primeira com Gilson, a segunda com João Bosco), agrupadas na mesma faixa. Já a escolha de “Flamboyant” (Jota Maranhão/ Paulo César Feital) se deu pelo fato de discorrer sobre a vida de um cantor e por ser um “lado b” de que ele gostava bastante também (com direito a arranjo de GILSON PERANZZETTA), e o funk/soul “O amigo de Nova York” (Durval Ferreira/ Macau) remete à cidade americana que sacramentou definitivamente a amizade dos dois cantores. É que TÁRCIO morou lá entre 2004 e 2012, e EMÍLIO sempre ia visitá-lo, e tudo acabava em farras memoráveis, regadas a risadas e canções.
Apenas três grandes sucessos de EMÍLIO estão presentes no disco, todos relidos com arranjos bem diferentes dos originais: “Logo agora” (Jorge Aragão/ Jotabê), seu primeiro grande estouro, em 1979, “Pelo amor de Deus” (Paulo Debétio/ Paulinho Resende), que venceu o MPB Shell 1982, e “Saigon” (Cláudio Cartier/ Carlão/ P. C. Feital), de 1989. O primeiro pilotado por MENESCAL, o segundo por JORJÃO BARRETO e o terceiro por CRISTÓVÃO BASTOS, este em leitura entre o erudito e o jazzístico.
Há ainda um dueto (póstumo) de TÁRCIO e EMÍLIO em “Surpresa”, de João Donato e Caetano Veloso. DONATO que assina o piano e o arranjo da faixa, é outro a figurar entre os autores favoritos do grande intérprete e também de TÁRCIO, tanto que o samba-jazz tropical “Bananeira” (dele com Gilberto Gil), do primeiro LP de EMÍLIO, de 1975, foi pinçado para abrir este álbum. Não menos verde e amarelas são as canções escolhidas para fechar o tributo, munidas de duas letras nostálgicas e contundentes, “40 anos” (Altay Veloso/ P. C. Feital) e “Bye, bye Brasil” (Menescal/ Chico Buarque).
A arte gráfica da capa também sai do lugar comum. Ao invés de uma foto, das muitas que TÁRCIO tem no acervo da convivência com EMÍLIO, optou por encomendar um desenho que retratasse essa amizade ao artista plástico ÁLVARO QUERZOLI, brasileiro radicado na Suíça, que conheceu quando cantou numa Jam session em Montreux, há três anos, com arte gráfica de MARCELO MENDONÇA.
TÁRCIO veste o repertório sofisticado e eclético de EMÍLIO com suavidade e um fraseado bem particular, em leituras extremamente pessoais, na medida certa. Não desconstrói as canções e nem soa excessivamente reverente. Sendo um cantor-músico, ele sente as músicas como parte integrante da banda, como se fosse mais um instrumento, dividindo com muita naturalidade e originalidade os compassos de cada canção. Assim, deita e rola nos arranjos sempre com um pé no jazz à brasileira, mostrando que ainda existe espaço para um canto masculino mais requintado em nossa música. BRASILEIRÍSSIMO é, por assim dizer, um disco clássico de MPB, como nos melhores tempos, divulgando para as novas gerações a memória de um cantor de verdade e canções que emanam pura poesia.
Rodrigo Faour, 2017

FICHA TÉCNICA - “BRASILEIRÍSSIMO – PARA EMÍLIO SANTIAGO”
1 BANANEIRA / PELO AMOR DE DEUS – 5 O AMIGO DE NOVA YORK Arranjo, Pianos e Teclados - JORJÃO BARRETO / Bateria - FLAVIO SANTOS SILVA / Baixo - JAMIL JOANES / Guitarra - PAULINHO GUITARRA / Trompete - JESSÉ SADOC / Sax Tenor - ZÉ CARLOS "BIGORNA" / Trombone - SERGINHO TROMBONE / Percussão - BELOBA, ANDRÉ SIQUEIRA ,TRAMBIQUE, SGULEBA e JAGUARA
2 SURPRESA Arranjo e Piano - JOÃO DONATO / Cello - JAQUES MORELENBAUM / Trompete e flugel - PAULINHO TROMPETE / Flauta e Sax - RICARDO PONTES / Trombone - MARLON SETTE
3 LOGO AGORA Arranjo, Violão e Guitarra - ROBERTO MENESCAL / Percussão - VAL DE SOUZA e JEFFERSON VIEIRA
4 DILEMA / DOIS PRA LÁ DOIS PRA CÁ Arranjo, Pianos e Teclados - JORJÃO BARRETO / Violão - HÉLIO DELMIRO / Bateria - FLAVIO SANTOS / Baixo - DECIO CRISPIM CARDOSO / / Percussão - ANDRE SIQUEIRA / Trombones - DARCI
6 SAIGON Arranjo e Piano - CRISTOVÃO BASTOS / Violão - LULA GALVÃO / Cello - MIGUEL BEVILACQUA
7 FLAMBOYANT Arranjo e Piano - GILSON PERANZZETTA / Baixo Acústico - ZECA ASSUMPÇÃO / Trombone - GILMAR FERREIRA / Cello - MIGUEL BEVILACQUA
8 SER, FAZER E ACONTECER / PONTO DE INTERROGAÇÃO Arranjo, Pianos, Teclados e Synth Soprano - JORJÃO BARRETO / Bateria - FLAVIO SANTOS SILVA / Baixo - ALEXANDRE CAVALLO / Guitarra - MAX VIANA / Percussão - ANDRÉ SIQUEIRA
9 EU E A BRISA / O QUE É AMAR Arranjo e Piano - JORJÃO BARRETO / Bateria - Flavio Santos / Baixo Acústico - José Luiz Maia
10 CANTO DE OSSANHA Arranjo coletivo: TÁRCIO, MARCEL POWELL E GABRIEL DE AQUINO / Violão - MARCEL POWELL / Violão - GABRIEL DE AQUINO / Percussão - ROBERTINHO SILVA
11 40 ANOS / BYE, BYE BRASIL Arranjo, Pianos e Teclados - JORJÃO BARRETO / Bateria - FLAVIO SANTOS SILVA / Baixo - JAMIL JOANES / Guitarra - PAULINHO GUITARRA / Violão - CLAUDIO JORGE / Flugel - JESSÉ SADOC / Flauta - ZÉ CARLOS "BIGORNA" / Percussão -Caixas - BELOBA, ANDRÉ SIQUEIRA, TRAMBIQUE, SGULEBA e JAGUARA
PRODUZIDO POR MAX VIANA

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